A única coisa que nos salva
A única coisa que nos une
A única utopia possível
É a utopia do cu
Gente! Vamos parar com essa coisa
ridícula de associar “cu” com “cunha” em expressões como “vai tomar no CUnha”.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Nos últimos meses tenho escrito alguns textos breves refletindo sobre charges e representações que circulam nas redes sociais, tentando apontar para como reproduzimos e reforçamos, “quase sem pensar”, determinados padrões e sistemas de violência, particularmente no atual contexto de enfrentamento político vivido no Brasil. Falei sobre a cultura do estupro na representação de uma charge sobre o “caso Romero Jucá”, depois do “beijo entre Eduardo Cunha e Michel Temer”. Meu questionamento e minha indignação estão em como posicionamentos pretensamente libertadores e “politicamente corretos” estão carregados de sexismo, heterosexismo, machismo, homofobia e todos/as os/as seus/as parentes, achegados e relacionamentos (in)stáveis. E lá vamos nós de novo!
Muita gente já pesquisou e escreveu sobre essa fixação com o cu e tudo que ela representa em termos políticos, sociais e sexuais. Eu mesmo trabalhei o tema numa conferência publicada no livro “A religião entre o espetáculo e a intimidade” com o título de “Viado não nasce, estréia!’ ‘Não morre, vira purpurina’ – Diversidade sexual, performatividade e religião numa perspectiva queer”. E não posso de mencionar aqui meus grandes amigos e minhas grandes amigas do CuS (Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade) e o colega Leandro Colling na UFBA.
Existe uma infinidade de abordagens possíveis, mas vou aqui, pela brevidade do que pretendo escrever, e pela didaticidade que eu entendo que oferece, fazer uma breve reflexão que tem como base alguns construtos da psicologia e da psicanálise. Fundada em todos os tabus culturais e religiosos, essa fixação reforça a ideia de que o “cu” é um grande simulacro, interditado, que tem como objetivo controlar os corpos de homens e mulheres e determinar seu lugar social, transformando-se, ao mesmo tempo, num poderoso fetiche vendido e comprado a “preço de ouro” por quem tem o poder de decidir sobre o que fazer com o seu - e o dos outros e das outras. O cu também tem classe.
O cu não é coisa simples e ao mesmo tempo é total e fundamentalmente simples – tanto que “prisão de ventre”, que poderia ser “prisão de cu”, não raro é associada a diversos fatores de ordem emocional. Uma expressão bastante conhecida e popular nos círculos gays expressa essa simplicidade e poder do cu: “liberte seu cu e sua mente seguirá” (free your ass and your mind will follow), que se atribui não apenas a pessoas ou relações homossexuais (ou anais, nesse caso), mas a todas as pessoas presas a padrões e costumes opressores, que as prendem e amarram.
Nesse sentido, as associações entre “cu” e “Cunha” (referindo-se a um infeliz e pernicioso personagem de nossa política atual) reforçam a ideia de que há algo de errado, de sujo, de monstruoso e de perigoso com o cu – e com quem tem o cu livre. Perpetua-se o cu (interditado) como o símbolo máximo do poder masculino, patriarcal, higienista... que deprecia e violenta o corpo e suas necessidades básicas. Ou o que seria de nós sem cu?
Surpreendentemente essa compreensão vem justamente daqueles e daquelas que defendem “relações naturais” no campo da sexualidade, ao mesmo tempo em que demonizam essa região aparentemente tão “natural” do corpo humano. Provando mais uma vez que até o cu sofre das síndromes de construção social e cultural por parte daqueles e daquelas que negam qualquer forma de construção social e cultural ou mesmo a criação de Deus como um processo aberto e dialógico.
Mas para não me alongar... podemos fazer crítica política de maneira mais inteligente e sem repetir padrões opressores e violentos, eu acredito! Sair das fórmulas fáceis e rasas de construção do outro ou da outra como inimigo/a e sexualmente pervertido/a! Questionar os lugares comuns e criar outras representações de nossos sonhos e de nossas utopias!
Pois se duvidar... “até Deus tem”!
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