Amanhecemos nesse dia ensolarado em São Leopoldo lembrando
que há 189 anos atrás chegaram aqui os/as primeiros/as imigrantes alemães. Em
algum canto do jornal também deve haver algo falando sobre a ocupação e
expulsão violenta de manifestantes do saguão da Prefeitura Municipal. Sobre a
prisão de moradores de rua na São Leopoldo Fest provavelmente não haja nada
(fora demais da memória possível de um certo tipo de história). É um típico 25
de Julho em São Leopoldo!
É próprio da memória seletiva das elites determinar as
origens, inventar as narrativas, criar símbolos e estruturas que garantam a sua
identidade construída à custa de quem não teve o privilégio histórico de sair
vitorioso. Sim, não foram os/as imigrantes alemães que descobriram e fundaram a
cidade. Ela já existia e havia gente por aqui antes do tal 25 de julho – uma longa
história “esquecida”. Não, eles/elas não eram turistas curiosos/as com as
paisagens tropicais (nem tão tropicais assim por aqui) ou desbravadores/as e missionários/as
querendo levar o progresso e a civilização até os confins da terra. Eram pessoas
empobrecidas, excluídas, sem-terra, em fuga de uma realidade degradante em
busca de uma vida melhor.
Também é próprio da política seletiva das elites e suas
mídias criar uma memória que transforme manifestantes e movimentos sociais em
vândalos, baderneiros e criminosos. É impressionante, embora não surpreendente,
ver, além das mentiras inventadas pelos próprios agentes da repressão, pessoas
buscando algum indício de que “estavam fazendo algo que não deviam”. Agiram dentro
da lei? Quebraram ou sujaram alguma coisa? Fizeram provocações, foram
desrespeitosos/as? Foram mesmo agredidos/as ou a Guarda agiu em “legítima
defesa”? Queriam realmente dialogar ou era só pra fazer tumulto? Dizem que o
menino se jogou contra o vidro e por isso estava sangrando, será? O movimento
está sendo financiado por algum grupo ou partido político? E quais suas
intenções?
PESSOAS DE POUCA FÉ!
A luta pela sobrevivência foi que trouxe imigrantes alemães
para São Leopoldo e outras regiões do país. Conheci parte dessa luta através
das cartas de minhas antepassadas enviadas a parentes nos Estados Unidos. As
dificuldades e agruras são bem conhecidas e, de alguma forma, nos enchem de
orgulho. Conheci também, nessas mesmas cartas e em outros lugares, o
enfrentamento que tiveram com outros povos que aqui já estavam: indígenas,
negros/as, portugueses/as. Na disputa pela terra e pelos meios de produção
venceram (?) e se tornaram personagens centrais de uma narrativa que esconde as
contradições e a produção de desigualdades que marcam a vida daquelas pessoas
que hoje são empobrecidas, excluídas, sem-terra, sem-teto, sem políticas
públicas que garantam o seu direito constitucional e humano a uma vida digna
(inclusive de muitos/as de seus/as descendentes).
A mesma luta pela sobrevivência e pelo respeito aos direitos
constitucionais e humanos é que tem fundamentado as ações no Movimento #naruasaoleo.
Na noite anterior, desocuparam a praça porque sabiam que as artimanhas do poder
estabelecido não permitiria a realização de ações previsíveis e exigia mudança
de tática. Se retiraram e não foram mais vistos/as – provocando a ira de quem
os/as quer controlar. O que fizeram naquela noite eu não sei porque não estive
lá. Soube, pelas mídias e redes sociais, que tinham ocupado a Prefeitura
Municipal. Eu também não estive lá, mas os relatos dão conta de que entraram
pela porta da frente, sentaram no saguão, repetiram palavras de ordem e
protestaram contra a aprovação da reforma administrativa proposta pelo Poder
Executivo sem uma audiência pública. Como assim não queriam diálogo, Sr.
Prefeito? É o que pedem desde que iniciaram as manifestações na rua, ocuparam a
Câmara de Vereadores/as e depois a Praça do Imigrante (tremenda coincidência).
Ou qual a melhor definição para “audiência pública”?
Entre os/as imigrantes alemães e suas perspectivas políticas
também houve conflitos. Jacobina Maurer e os “Muckers” em Sapiranga (então
parte de São Leopoldo) não fazem parte da história do povo que homenageamos na “Nossa
Festa”? João Carlos Haas Sobrinho e a sua luta na Guerra do Araguaia não é
parte de “nossa” tradição de luta? E tantos outros e tantas outras que
resistiram aos poderes dominantes e violentos, muitos/as dos quais perderam sua
vida? Melhor mesmo tirar seus bustos da frente do prédio da Prefeitura. Ou deixa-los
lá para nos lembrar que a luta e a repressão violenta também fazem parte de
nossa nobre memória, atualizada ontem e nas últimas semanas de forma exemplar.
Depois do trabalho, eu fui até a delegacia de polícia onde
os/as manifestantes agredidos/as registraram ocorrência. Eu vi o sangue na
cabeça do menino enquanto esperava já há umas três horas para fazer o registro.
Vi olhos roxos, bochechas inchadas, gente se contorcendo de dor por causa dos
choques. Eu conversei com eles/elas, vi os vídeos, fotos e os equipamentos
danificados. Ainda soube da prisão de 20 moradores de rua cadastrados como
flanelinhas na São Leopoldo Fest. Mas nem precisava. Descendente de pessoas que
lutaram (e de algumas que depois passaram a se achar melhor do que as outras)
eu reconheço o que é luta. Eu reconheço os/as jovens, adultos/as e idosos/as,
estudantes, trabalhadores/as, moradores/as de rua, militantes, mães e pais,
filhos e filhas desse Movimento. A minha fé, a minha tradição teológica e a
Bíblia nunca me ajudaram tanto a entender o que está acontecendo.
Por isso, nesse 25 de julho de 2013, eu escolho celebrar o
povo que resiste e luta, ontem e hoje, por sociedades mais justas e
igualitárias, contra todas as formas de violência e repressão, junto com quem
está #naruasaoleo!
Comentários
Postar um comentário