Vocês me matam - e eu
ressuscito!
Todos os
dias, vocês me matam!
Quando
assassinam travestis nas ruas,
Quando
assassinam pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero...
... me matam:
Quando me
alienam da minha família
E dizem que
a família que eu construo não tem o direito de existir,
Meus laços
afetivos, meus parentescos forjados na luta pela sobrevivência.
Vocês me
matam!
Quando me
excluem da escola, da igreja, do trabalho...
Com suas
práticas discriminatórias, violentas,
E seus
silêncios cúmplices e covardes!
... vocês me
matam,
Quando ignoram
minhas múltiplas formas de ser e saber,
Me rotulam
de parcial e subjetivo,
Me
transformam em apêndice, anexo, exótico, qualquer coisa,
Ignoram propositalmente
a sua própria parcialidade e subjetividade alienadora
Me riscam
dos seus manuais e me matam!
Me matam...
Com seus
discursos pseudoamorosos
Usando
artifícios mil para negar meu corpo e meu sexo.
Me matam
ainda quando dizem que me amam ou me toleram
Diminuindo a
minha existência a um ato de piedade ou condescendência
Pressupondo
uma igualdade negada nos seus discursos e práticas.
Você me
matam e torturam!
Com suas
cruzes, instituições e artimanhas burocráticas,
Em nome de
deus, da pátria, da família e da propriedade
Um pouquinho
cada dia,
Fingindo não
perceber,
Preservando
suas posições de poder e suas prerrogativas de decisão,
Exigindo
paciência.
Ah, vocês me
matam!
Alimentando
as facas, as balas e as línguas
Que rasgam,
perfuram e dilaceram o meu corpo...
... vocês me
matam!
E às vezes
eu nem me dou conta,
Fingindo
gostar de experimentar os avanços e a igualdade que vocês fingem existir
Pois até
mesmo nesses momentos, vocês me matam!
E como a cigarra
cantada de Mercedes
Estou aqui:
ressuscitando!
Talvez não
eu mesmo,
Que de tanto
morrer, já não sou eu que ressuscito.
Mas como
sobrevivência de meus ancestrais
E anúncio
das gerações futuras: ressuscitamos!
Cantando ao
sol
Depois de
tantas vezes que nos mataram
Depois de
tantas vezes que nos apagaram
Depois de
tantas noites desesperando.
Hoje não
quero discutir os processos e entender os torturadores e assassinos
Hoje não
quero entabular falsos diálogos que partem da premissa de minha
ininteligibilidade
Só por hoje,
como naquele momento máximo de desespero,
Não quero
desculpar e justificar a mão e a faca que me perfura 13, 28, 41 vezes
Hoje eu
quero dizer: Vocês me matam!
Homofobia!
Homofobia! Homofobia!
E de alguma
forma misteriosa, surpreendente, e que vocês não dominam,
Eu
ressuscito!
Nós
ressuscitamos!
Ainda que
seja para continuar morrendo
Até que os
nossos corpos se materializem como direito e justiça!
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