Mais uma vez o humor e o terror do grilo falante

Me pergunta afirmando o psiquiatra: “Você tem senso de humor, né?!”


Sim.
O senso de humor foi o que me permitiu, assim como a toda uma geração, talvez várias, de pessoas LGBT sobreviver.

Eu sobrevivi à minha família. Eu sobrevivi à escola. Quis fazer teatro para usar todo o meu (senso de) humor e acabei na Teologia. Sobrevivi à igreja. Sobrevivi à academia. Sobrevivi ao governo e ao partido. Nessa ordem.
Sobrevivi?

O humor como estratégia de defesa e ataque. Quem é inteligente e perspicaz o suficiente para entender compartilha de um universo secreto e, por isso, protegido e protegível. Quem não entende, ah bom, não apenas está fora do círculo e perde as informações nuançadas que o humor misturado com a ironia fazem circular e os mundos que ajuda a construir, como também se torna objeto de escárnio e, frequentemente, é aquele/a que de quem é preciso se proteger. Policiais e travestis. Militantes e autoridades. Pessoas interessantes e malas em geral.

O humor é aquele que se torna instrumento de sobrevivência para aqueles/a que não teriam como sobreviver sem ele. Pela injustiça ou pela fraqueza, imposta ou herdada. Também o humor dos dominadores os protege de suas fragilidades que tentam esconder atrás do, em geral, mau humor, que pode ser tão irônico e perspicaz quanto. E tem os/as sem humor e sem senso. Ocupam outros espaços, mais frios e rígidos.

Enquanto vinha com uma conversa sobre continente e conteúdo, e eu explicava a diferença entre comprar roupa para ou comprar roupa com, ou mesmo antes disso, também mencionou Pinóquio e o grilo falante, o psiquiatra. E o grilo se deu conta de que estava de mau humor. De que não queria sobreviver, ainda que não soubesse bem como lidar nem com o humor e nem com a falação que escorria como a água por um regador furado em sua base. Como encaixar o conteúdo no continente, como conter a impaciência dos limites impertinentes quando não há humor capaz?

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