Sobre as via(da)gens teológicas - um mimo de Carlos Eduardo Calvani

Via(da)gens teológicas


A monotonia do ambiente teológico brasileiro finalmente começa a ser quebrada com o lançamento do novo livro de André Musskopf, intitulado “Via(da)gens teológicas – Itinerários para uma teologia queer no Brasil” (Fonte Editorial e Editora Cultura).

Este não é o primeiro livro de André, que já publicou vários trabalhos na mesma área, tais como os livros “Uma brecha no armário” e “Talar Rosa – homossexuais e o ministério na Igreja”, dentre outros, além de artigos e capítulos de livros.

O livro é resultado da tese de doutorado em Teologia Sistemática, defendida pelo autor na Escola Superior de Teologia (São Leopoldo, RS) em 2008, um dos últimos lugares no Brasil aonde ainda se pensa e se produz teologia séria e contextualizada.

No livro, André percorre os debates sobre religiosidade e sexualidade no Brasil, desde os tempos coloniais e situa muito bem o leitor nas discussões sobre o mesmo tema em contextos de fala inglesa, apresentando os referenciais e limites das teologias homossexuais e da teologia queer, identificando a negação e prescrição dessas preocupações nos contextos latino-americanos. Recorre, naturalmente ao pioneirismo de Marcela Althauss-Reid, teóloga argentina recentemente falecida e recupera magistralmente o conceito de ambigüidade em Simone de Beauvoir, Paul Tillich e Ivone Gebara, a meu ver um dos mais importantes conceitos teológicos a serem explorados hoje.

A partir de histórias cotidianas de pessoas reais, propõe a tríade “ocupar, resistir, produzir” e nos brinda com magistral avaliação das “flechas perturbadoras” de Frida Kahlo.

Muito longe das preocupações teológicas institucionais, André oferece valiosas ferramentas no âmbito da teologia da cultura, das questões de gênero e corporeidade. Percorrendo as ruas de Salvador, junto com André em 2009, nos intervalos de um simpósio no qual participamos juntos, tive a oportunidade de conversar bastante com ele, e perceber que estava diante de um teólogo original, lúcido, coerente, corajoso e gracioso.

Naturalmente, demorará ainda certo tempo para que as lideranças eclesiásticas ou professores/as de seminários consigam digerir a ousada proposta de André, por tratar-se realmente de algo inovador e que transcende as preocupações de crescimento de Igreja e “identidade institucional”. Afinal, a teologia de André, não é voltada para a Igreja, gerada de situações concretas, profundamente existenciais (e corporais) e, na melhor tradição luterana, sem culpas... absolutamente sem culpas, um verdadeiro transbordar da graça.

Para nós que convivemos diariamente no trabalho missionário de respeito, acolhimento e apoio a gays, lésbicas, transexuais, travestis, drag-queens, o livro de André é um presente, que vale a pena ser lido, re-lido, digerido, guardado no coração porque certamente nos motivará a “ocupar, resistir e produzir”.

Minha singela homenagem a André e a tantas outras pessoas que, às vezes solitariamente se empenham nessa luta/missão/vocação, ofereço um pequeno poema, resultado de um sonho maravilhoso que recebi como revelação em uma noite no Pantanal:

Apocalipse queer
Carlos Eduardo Calvani (11 de maio de 2011)

Revelação que me foi dada
enquanto a maldade e o medo vigoravam na terra,
sobre coisas que vão acontecer:

No dia do Senhor vi o alto e sublime trono
rodeado por estranhos anjos transexuais
cantando em incessante voz: “I will survive”

então 24 serafins travestidos com vestes brilhantes e purpurinadas
recolheram o sangue das vítimas inocentes
que foram mortas nas ruas das grandes cidades
e, sem medo da AIDS, o misturaram ao sangue
daquele que deu sua vida pela salvação de todas as pessoas

e 12 bispas lésbicas glorificaram Àquel@ que governa as nações
enquanto o grande arco-íris
reafirmando a aliança eterna do amor de Deus
brilhava sobre seu povo

mas os que tinham seus olhos cegos pela homofobia
não puderam vê-lo
nem se alegrar com sua glória
porque o mau-cheiro de seus pensamentos os fazia cambalear
e caiam em seu próprio vômito

então Aquele que era, que é e que há de vir
decidiu revelar-se
não apenas como leão irado
ou cordeiro imolado
mas simplesmente
como veado

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