No meu aniversário


Por algum tempo resisti aos inúmeros convites para participar do Facebook. Resolvi fazer um perfil e logo começaram a se multiplicar os convites. Enquanto isso, comprei e comecei a ler “O efeito Facebook” de David Kirkpatrick. O autor conta a histórica de criação e expansão da rede social em detalhes, e fala da forma como se tornou um instrumento capaz de unir pessoas diversas, para motivos diversos, a partir da idéia de “diagrama social”, provocando situações nem sempre imaginadas pelos criadores.

No meu aniversário, experimentei esse “efeito Facebook” de uma maneira que nem eu poderia imaginar. Ao longo do dia fui acompanhando a forma como o meu diagrama social ia se movimentando e se aproximando de mim com uma mensagem de carinho às vezes composta de uma ou duas palavras apenas. De manhã já havia mais de 20 mensagens, rapidamente eram 30, depois 50. Saí para almoço, umas compras no shopping e já eram 90, passando de 100 à noite quando voltei de um jantar com alguns amigos e algumas amigas. As mensagens de “feliz aniversário”, “parabéns”, “sucesso” etc. etc. (em vários idiomas), não cabiam em uma ou duas páginas na tela do computador.

Nas mensagens e nas fotos que iam aparecendo pessoas que eu não vejo e com as quais não confraternizo há muito tempo. Pessoas que eu não lembro em que momento conheci ou mesmo o que nos conecta (desculpa!). Pessoas que eu encontro todos os dias ou de vez em quando. Pessoas com as quais compartilhei e compartilho momentos importantes e lindos nesses meus 35 anos de idade. Pessoas das quais tenho muitas saudades e pessoas das quais eu ressinto o fato de que um dia podemos não mais conviver tão intensamente (a vida nos leva para lugares e tempos dos quais não temos controle, eu já aprendi demais a me despedir – e sempre dói muito). Pessoas com as quais vivi momentos absolutamente intensos e profundos e pessoas que possivelmente me conheçam apenas pelos textos que eu escrevi. No meu aniversário, todas se encontraram no universo dessa rede social, montaram espontaneamente o meu diagrama social e me fizeram sentir uma felicidade imensa, um dia abençoado por D*s.

Também recebi mensagens pelo celular, emails e telefonemas (minha mãe surpreendentemente não telefonou às 7:00 da manhã para me acordar, nem às 15:45 horário em que ela diz que eu nasci, mas por volta das 12:00). Outras pessoas da minha rede social talvez não tenham acessado o Facebook nesse dia ou, como acontece frequentemente comigo, não perceberam o aviso de aniversariantes do dia (eu, pra dizer a verdade, não sei exatamente onde ele se localiza na página; às vezes vejo, às vezes nem sei onde está). Outros talvez não vêem muito sentido em deixar essas mensagens ou mesmo não acharam que deviam fazê-lo, seja qual for o motivo – eu posso viver com isso. De alguma forma, também participaram desse dia, pois, de alguma forma, também participam da minha vida.

De manhã, comecei a responder a algumas das mensagens, especialmente daquelas pessoas que não vejo há muito tempo ou que estão muito longe. Logo me dei conta de que não seria possível responder a cada uma das pessoas que passou pelo meu “mural” (e, de certa forma, essa reflexão também é uma forma de responder a todas elas). Lá estavam pessoas de várias partes do mundo (vários lugares do Brasil, países da América Latina e da América do Norte, da Alemanha), que encontrei pelas minhas andanças nos lugares onde morei, onde participei de algum congresso, algum encontro, alguma visita. Pessoas que acompanham o meu trabalho acadêmico, que são parceiros e parceiras na construção de um conhecimento libertador. Pessoas da luta nos movimentos sociais, especialmente do movimento LGBT em vários lugares. Pessoas da militância no Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, muitos deles e muitas delas hoje ocupando posições em governos e lutando para construir uma gestão pública que seja reflexo e concretização da transformação social. Pessoas da luta na teologia e nas igrejas, tanto aquelas que permanecem e fazem o enfrentamento das suas estruturas injustas e opressoras quanto aquelas que tiveram que sair, vivendo sua espiritualidade na clandestinidade ou fundando suas próprias igrejas. Pessoas que sonham e trabalham por um outro mundo que a gente sabe (como aquele que se lança no escuro na certeza de que D*s estará com ele – fé) que é possível!

Todas vocês estavam lá, no meu aniversário, e, embora nada substitua um abraço, um beijo, a presença física, o calor da emoção, o tremor do desejo, o carinho de um afago (desde que não seja no cabelo), todo esse movimento me encheu de profunda gratidão e esperança. Especialmente num momento em que tenho me feito várias perguntas (ok, eu sempre me faço várias perguntas) e em que muitas certezas estão postas em dúvida, redescubro minhas conexões e as teias que fui construindo ao longo dos anos e que me construiu no que eu sou hoje (e amanhã já posso não ser mais). Uma teia construída com amor, com compromisso, com luta, com sonho. Uma teia que alguns podem achar idealizada, irreal, sem força efetiva, ou incapaz de produzir efeitos concretos na vida das pessoas e na realidade do mundo. E eu sei que não é. É uma teia construída com amor, com compromisso, com luta, com sonho e que pode mudar o mundo - um pouquinho de cada vez – porque é uma teia de novas relações renovadas. De gente que quer fazer de outro jeito e que sabe (mesmo que não acredite) que é possível.

No meu aniversário, e usando-o como desculpa, quero abraçar todas vocês, mesmo que nesse espaço virtual de rede social, e dizer que essa é a nossa força. E isso não é uma forma de fazer apologia ao Facebook ou ao seu “efeito”, o qual ainda estou tentando entender. É uma forma de dizer aquilo que disse numa mensagem que eu mesmo postei no início do dia:

Que ser amado é bom, que a luta vale à pena, que justiça social é justiça sexual, que eu quero mudar o mundo - um pouquinho de cada vez, que eu quero fazer amor (stricto e lato sensu)...”

Até a vitória!

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