Sou padre anglicano e, esta semana estive na Câmara de Vereadores de Campo grande, participando como cidadão, de uma sessão na qual se discutiria o reconhecimento da utilidade pública da Associação dos Travestis do MS. Nada mais justo, diante do belo trabalho que essa entidade presta a uma parcela da sociedade, mas que não é direcionado apenas a esse segmento, beneficiando também outros setores da sociedade.
Enquanto estava sentado aproximou-se de mim um senhor, apresentando-se como pastor e pedindo que conversássemos um pouco. Evito mencionar a Igreja com a qual ele se identificou, por não saber se a informação procede, e também porque prefiro imaginar que nem todos os evangélicos que freqüentam essa Igreja se identifiquem com esse pastor.
Nossa conversa poderia ter sido um agradável debate, com o qual estou bastante acostumado em virtude de minhas atividades acadêmicas. Porém, a arrogância com a qual fui questionado logo me mostrou que eu estava diante de uma pessoa que só saberia conversar em seu próprio nível.
Sua primeira pergunta foi saber com que base eu estava apoiando o movimento LGBT. Imediatamente me veio à lembrança a pergunta dos fariseus a Jesus: “com que autoridade fazes isso?”. Suas palavras soavam como se fosse o representante de todos os evangélicos de Campo Grande e seu olhar inquisitorial quase me temer que alguma fogueira já estivesse acesa.
Ainda assim, pensando ser possível um bom diálogo, disse-lhe que em Campo Grande sou padre da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a única Igreja no Brasil (até agora) a pronunciar-se nacionalmente de modo favorável à decisão do STF e que tem uma bela história na luta pela dignidade humana. Disse-lhe que não devia satisfações a ele, ou a qualquer pastor evangélico ou a qualquer bispo católico mas sim a meu rebanho e a meu bispo que é também o Arcebispo Primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e que, corajosamente, assinou o pronunciamento em apoio à decisão do STF.
Ele então passou a citar outro indivíduo que já fez parte de nossa Igreja no passado, mas que hoje nada representa para nós, não merecendo nem mesmo que seu nome seja lembrado.
Irritado, o pastor homofóbico começou a apelar para a Bíblia, com frases dignas de um aprendiz de Hitler. Chegou a dizer, apontando para as travestis que ali estavam, que “essas pessoas não tem fé”. Ora, quem é ele para dizer isso? Eu poderia ter dito que já estive com elas, orando e percebi a imensa fé em seus corações. Aliás, quando deixei o recinto, despedindo-me da Cris Stephanny (Presidente da ATMS) e de outra travesti, essa me disse que tinha pensado em ir à Igreja no domingo anterior, mas que não foi porque bebera um pouco de cerveja no almoço. Quer maior demonstração de fé, respeito e reverência ao momento do culto? Talvez algumas igrejas não queiram que os travestis freqüentem seus cultos por medo de que identifiquem entre outros freqüentadores também alguns de seus clientes...
Visivelmente encolerizado, o pastor homofóbico começou a dizer que estavam querendo “criminalizar sua fé”. Era o grito lancinante de uma alma medíocre e medularmente ferida.
Nenhuma fé pode ser criminalizada. Ninguém, em sã consciência pensa em criminalizar a fé islâmica ou judaica somente porque alguns radicais promovem atentados terroristas em nome de Alá ou da Torah. A essência da fé, seja em qual religião for, é o amor e o respeito. Contudo, se alguns criminosos deturpam a fé, esses devem, sim, ser criminalizados.
Atualmente, em Uganda discute-se a pena de morte para pessoas homossexuais, e a discussão está envolta em citações bíblicas, do Alcorão e de textos de outras religiões. É isso que os pastores homofóbicos desejam para o Brasil? Se chegarmos a esse ponto, talvez o governador Puccinelli nomeie o pastor homofóbico como carrasco, o que certamente lhe dará muita alegria “espiritual”.
Insistentemente, ele ainda chegou a apontar para os travestis presentes dizendo que eram “abomináveis”, enquanto abominável, na verdade era ele. Cansado de ser exposto aos comentários de um ser tão abjeto, deixei-o falando sozinho e voltei para perto do grupo das travestis, onde o papo estava bem mais animado e alegre.
Enquanto isso, sua esposa conversava com a minha. Minha esposa é mais paciente e conversou mais tempo com ela. Porém, senti pena daquela senhora, que segue caninamente aos comandos de ordem de seu marido pastor, pois bastou um sinal dele (poderia ter sido um assovio), para que ela se levantasse e se afastasse de nós. Talvez, ouvindo há anos os textos bíblicos que ordenam que as mulheres obedeçam os maridos, ela nem questionou e se foi. Melhor faria se largasse de vez esse homem, para que não se torne cúmplice dos possíveis crimes que ele venha a cometer.
Enfim, esse foi meu encontro com um pastor homofóbico, e só me resta agora rogar para que Deus, em sua graça e misericórdia, tenha piedade de alma tão pobre e tão medíocre, e pedir que Deus nos livre de um país com esse tipo de evangélicos.
“E Jesus afirmou: Em verdade vos digo, que os publicanos e as prostitutas entrarão antes de vocês no Reino dos céus” (Mateus 21.31).
Rev. Carlos Eduardo Brandão Calvani
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
(Publicada no jornal "O Correio do Estado", de MS)
Comentários
Postar um comentário