Sou homem, sou mulher, sou o que quiser

Foi também minha companheira, amante
Que escreveu
Aquilo que a vida, a luta e o povo nos ensinaram
Do lado de baixo do equador
E um pouco acima também
- Cada um pode ser o que quiser!*

Não por capricho ou sem motivo
Mas para sobreviver e resistir
Por sabedoria
Por necessidade
Por força e coragem
Afinal, não é fácil
Ser o que quiser

Às vezes sou homem
Mas já fui mulher, eu sei!
Às vezes sou branco
Mas já pensaram que eu fosse negro
Às vezes sou gay
E é quando me faço mais homem
Às vezes sou doutor
Mas adoro aprender com o povo
Às vezes sou forte
Mas sinto falta de quem me proteja

Não é meu pênis,
- nem o pênis de outro homem -
Que me define
Não são meus títulos
- e trabalhei por eles -
Que dizem quem sou
Não são as bandeiras que carrego
- e são tantas -
Que resumem a minha luta
Nem meu nome e sobrenome
Embora tenha me acostumado com eles

Às vezes sou machista
Mas procuro ser feminista
Às vezes sou racista
Mas aprecio todas as cores
Às vezes sou classista
Mas defendo a luta socialista
Às vezes sou etnocêntrico
Mas me deixo admirar por todas as culturas
Às vezes sou homofóbico
Mas estampo o arco-íris e vou pra rua

Muitas vezes sou perfeccionista
Detalhista
Intransigente
Arrogante até
Mas falo palavrão
Me divirto com os desvios
Me excita a transgressão
Troco letras
Mudo palavras
Crio linguagens
Mundos se descortinam

Uso roupas “de marca”
Mas qualquer coisa me deixa lindo – às vezes
Tomo coca-cola – mas não sempre
Como pizza – e até fast food
Viajo para os Estados Unidos – mas nunca de férias
Fumo – e às vezes jogo toco de cigarro no chão
Queria ter um carro – falta capital
Comprei um ar-condicionado – o calor me mata
Uma máquina de lavar – brastemp
Microondas – talvez
Tenho cartão visa
Lap top, internet, celular
Mas...
É difícil resistir – eu confesso!
Sou politicamente incorreto
E correto politicamente
Ou algo parecido entre isso e aquilo

Pós-moderno – com desdém –
Diriam que eu sou
Capitalista, alienado, burguês
Talvez
Tudo isso eu posso ser – se quiser
Vai depender
De quanto mais gente tem comida
De quanto menos gente sofre violência
De quanto mais recursos são divididos
De quanto menos injustiça acontece
Amor, felicidade, paz
Já nem uso mais
Empacotados rotulados etiquetados
Embalados pra presente
Vendidos no shopping
Adquiridos nas igrejas
Concedidos por governos
Comprados quando se tem

Aprendi a ser bicha, viado
Faggot e maricón
Transexual - também já fui
Mas disseram-me
Que devo ser só um
H-o-m-o-s-s-e-x-u-a-l
Não me importa:
No oito de março
Ou em outro dia qualquer
Sou homem
Sou mulher
Sou o que quiser

Por André S. Musskopf

* Nancy CARDOSO, A guerra silenciosa – De como @s latino-american@s podem ser o que quiserem. Revista Concilium, No 324, Fevereiro 2008.

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