Fazem pelo menos sete anos que tenho me dedicado a estudar, pesquisar, escrever e produzir o que tenho chamado de teologia gay/queer. Mas, este estudo, esta pesquisa, esta escrita e esta produção, sem dúvida, foram gestadas por muito mais tempo na minha vida, nos meus compromissos, na minha luta, nos caminhos que percorri. De qualquer forma, é pouco tempo. Ou não?
Neste período ouvi muitas vezes comentários do tipo: é preciso esperar, daqui há alguns anos, ainda não chegou a hora, espere...
Neste período, eu vi muitas pessoas morrerem: doentes de AIDS, vítimas de violência, de outras tantas enfermidades... gente que não teve tempo para esperar e ver as mudanças, as discussões que talvez tivessem dado mais qualidade às suas vidas enquanto pessoas LGBTQ.
Nesta terça de carnaval, recebi a notícia do falecimento de Marcella Althaus-Reid. Não sei as circunstâncias de sua morte; só sabia que estava muito doente. Mas, a primeira coisa que me veio à mente foi: “mais uma loca que se foi sem que...”.
Marcella nos deixou com uma lista enorme de “sem que...”, coisas pelas quais ela lutou e coisas que ela defendeu. Mas, o principal “sem que” que me ocorre é que ela morreu sem que seu trabalho fosse conhecido e reconhecido na América Latina, continente do qual ela se exilou não sem grande sofrimento. Com exceção de artigos e capítulos de livros, suas principais obras nem chegaram a ser publicadas por aqui (“Indecent Theology” foi traduzido e publicado em Espanhol na Espanha). Ela morreu sem que sua voz fosse ouvida como devia, como merecia, como era necessária que fosse.
Eu encontrei Marcella em três ocasiões, todas nos Estados Unidos. Na primeira, ela nem fez questão de falar comigo até sermos apresentados, pois ela deve ter me confundido com apenas mais um “gringo” embasbacado com os seus escritos (um homem branco, loiro, de olhos azuis, 1,83 m de altura, facilmente passa por “gringo” em qualquer lugar). Somente ao entender que eu era brasileiro foi que ela disse: “Precisamos conversar. Envie textos para publicar. As pessoas dizem que estou louca quando digo que existe teologia gay/queer na América Latina”. Una loca – ela era mesmo!
Na segunda vez, eu a vi na platéia enquanto apresentava um trabalho sobre imagens masculinas de Deus na cultura popular brasileira. Depois fui assistir sua intervenção num painel com Mary Hunt, Dwight Hopkins, Mark Jordan e Kwok Pui Lan. Nos corredores, nos encontramos e trocamos algumas palavras rápidas. Ela sempre tinha muito para confabular e pedia “textos para publicar”.
Na terceira, estivamos juntos por alguns dias num encontro de teólogos/as lésbicas/gays/queer. Foi quando ela me disse que “teve” que sair da América Latina; foi quando ela me disse que queria estar na minha banca de doutorado e que pagaria a passagem para vir da Escócia para o Brasil se fosse necessário. Eu confidenciei que tinha “medo” dela e ela só respondeu: “nós, latino-americanas, precisamos nos apoiar” – e me pediu “textos para publicar”.
Da última vez que trocamos emails, eram sobre um texto meu que sairia na nova edição do livro “Liberation Theology and Sexuality” – finalmente ela publicaria um texto meu.
Eu costumava dizer que quando crescesse queria ser como ela. Seus livros e ela mesma me inspiraram muito. Sua teologia indecente, sua epistemologia bissexual crítica, seu sexo oral, suas críticas à teologia papai-mamãe (vanilla theology) me fizeram rir e crescer intelectualmente. Todos os seus cruzamentos e misturas me deixaram – e me deixam – tonto, é verdade. Mas me divertem, provocam e alimentam.
Há muitas pessoas que perdemos pelo caminho. Há muitas pessoas que deixam de caminhar porque ainda não é tempo para certos movimentos. Não, não dá para esperar. Há gente sofrendo, há gente se indo, e não dá para esperar. Marcella não esperou porque não tinha tempo. Não era o seu tempo que faltava ou era curto (embora tenha sido), mas o tempo das pessoas pobres, discriminadas e marginalizadas na América Latina e no mundo.
É possível que a teologia na América Latina continue a ignorar a sua voz porque ainda não está pronta para ouvi-la. Mas ela continuará ecoando nas vidas daquelas que não têm tempo para esperar!
Neste período ouvi muitas vezes comentários do tipo: é preciso esperar, daqui há alguns anos, ainda não chegou a hora, espere...
Neste período, eu vi muitas pessoas morrerem: doentes de AIDS, vítimas de violência, de outras tantas enfermidades... gente que não teve tempo para esperar e ver as mudanças, as discussões que talvez tivessem dado mais qualidade às suas vidas enquanto pessoas LGBTQ.
Nesta terça de carnaval, recebi a notícia do falecimento de Marcella Althaus-Reid. Não sei as circunstâncias de sua morte; só sabia que estava muito doente. Mas, a primeira coisa que me veio à mente foi: “mais uma loca que se foi sem que...”.
Marcella nos deixou com uma lista enorme de “sem que...”, coisas pelas quais ela lutou e coisas que ela defendeu. Mas, o principal “sem que” que me ocorre é que ela morreu sem que seu trabalho fosse conhecido e reconhecido na América Latina, continente do qual ela se exilou não sem grande sofrimento. Com exceção de artigos e capítulos de livros, suas principais obras nem chegaram a ser publicadas por aqui (“Indecent Theology” foi traduzido e publicado em Espanhol na Espanha). Ela morreu sem que sua voz fosse ouvida como devia, como merecia, como era necessária que fosse.
Eu encontrei Marcella em três ocasiões, todas nos Estados Unidos. Na primeira, ela nem fez questão de falar comigo até sermos apresentados, pois ela deve ter me confundido com apenas mais um “gringo” embasbacado com os seus escritos (um homem branco, loiro, de olhos azuis, 1,83 m de altura, facilmente passa por “gringo” em qualquer lugar). Somente ao entender que eu era brasileiro foi que ela disse: “Precisamos conversar. Envie textos para publicar. As pessoas dizem que estou louca quando digo que existe teologia gay/queer na América Latina”. Una loca – ela era mesmo!
Na segunda vez, eu a vi na platéia enquanto apresentava um trabalho sobre imagens masculinas de Deus na cultura popular brasileira. Depois fui assistir sua intervenção num painel com Mary Hunt, Dwight Hopkins, Mark Jordan e Kwok Pui Lan. Nos corredores, nos encontramos e trocamos algumas palavras rápidas. Ela sempre tinha muito para confabular e pedia “textos para publicar”.
Na terceira, estivamos juntos por alguns dias num encontro de teólogos/as lésbicas/gays/queer. Foi quando ela me disse que “teve” que sair da América Latina; foi quando ela me disse que queria estar na minha banca de doutorado e que pagaria a passagem para vir da Escócia para o Brasil se fosse necessário. Eu confidenciei que tinha “medo” dela e ela só respondeu: “nós, latino-americanas, precisamos nos apoiar” – e me pediu “textos para publicar”.
Da última vez que trocamos emails, eram sobre um texto meu que sairia na nova edição do livro “Liberation Theology and Sexuality” – finalmente ela publicaria um texto meu.
Eu costumava dizer que quando crescesse queria ser como ela. Seus livros e ela mesma me inspiraram muito. Sua teologia indecente, sua epistemologia bissexual crítica, seu sexo oral, suas críticas à teologia papai-mamãe (vanilla theology) me fizeram rir e crescer intelectualmente. Todos os seus cruzamentos e misturas me deixaram – e me deixam – tonto, é verdade. Mas me divertem, provocam e alimentam.
Há muitas pessoas que perdemos pelo caminho. Há muitas pessoas que deixam de caminhar porque ainda não é tempo para certos movimentos. Não, não dá para esperar. Há gente sofrendo, há gente se indo, e não dá para esperar. Marcella não esperou porque não tinha tempo. Não era o seu tempo que faltava ou era curto (embora tenha sido), mas o tempo das pessoas pobres, discriminadas e marginalizadas na América Latina e no mundo.
É possível que a teologia na América Latina continue a ignorar a sua voz porque ainda não está pronta para ouvi-la. Mas ela continuará ecoando nas vidas daquelas que não têm tempo para esperar!
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